No dia em que Bijou morreu
por Fernando Galvão de Fontes
Na história da introdução do gado zebú no nordeste, um nome ficou para sempre: Bijou. Era um Guzerá soberbo, adquirido pelo Coronel Carlos Lyra, no sul do país, pela avultada importância de doze contos de réis! Junto com ele, um representante da raça nelore – o Guarani, formando, com 35 garrotas selecionadas um plantel de gado indiano – orgulho da florescente organização que era, à época, a Serra Grande.
Guaraní, apesar da importância que teve, igualmente, pelo melhoramento genético no rebanho nordestino, (custou, à época, seis contos-de-réis!) dele não se guarda as histórias e as referências do velho Bijou, ambos tratados, com desvelo, por Manoel Lúcio e Vicente Apolinário, em estábulo apropriado, junto ao qual pela primeira vez em nossa região, foi praticado com técnica, o ensilamento de capim: tudo isto graças à visão privilegiada do Coronel Carlos Lyra.
Da viagem do Coronel ao Sul, a fim de observar o manejo com o gado indiano, no Brasil, ocasião em que se fez acompanhar de um jornalista do “Diário de Pernambuco”, para elaboração de um relatório (origem de livro, hoje raríssimo!) – conta-se ter perdido um trem de passageiros, em São Paulo, por estar numa cadeira de engraxate, conversando displicentemente; e, mesmo sendo alertado que o trem estava prestes a deixar a estação, nem por isto interrompeu a prosa; pois bem – como a composição partiu, ele teria fretado um carro de passageiros, um de restaurante, e, atrelados a uma locomotiva que fez o percurso direto para a capital, lá chegou antes do trem que perdera.
O sucesso com a importação daquele plantel foi total, e não somente em Alagoas – mas em Pernambuco, igualmente, os criadores valorizavam, muitíssimo, qualquer touro que fosse descendente de Bijou; na região de Timbauba, por exemplo, (colhemos depoimento recente neste sentido, do Dr. José Clovis) – reprodutor bom era aquele que tivesse vindo da Serra Grande! Com efeito, o Coronel instalou, próximo a Recife, na localidade Ipiranga, uma fazenda que se constituía amostra permanente de seu selecionado plantel; e, em Alagoas, mais próximas à Usina – estavam as fazendas “Guzerat” e “Várzea Bonita” – esta administrada, em regime de sociedade, pelo Capitão Feliciano Lyra. A casa-grande desta fazenda, mais próxima a Lage, hoje está situada no perímetro urbano da cidade, e é atualmente onde funciona o Grupo Escolar Benício Barbosa. Conta-se mesmo deitadas sobre a linha da Great Western, os empregados desta ferrovia interrompiam o tráfego das composições a fim de, pacientemente, tanger o gado…
Das fazendas da Serra Grande, na década de vinte podemos afirmar, com certeza, ter sido a origem de todo o gado, bom e escolhido – que se espalhou pelo nordeste. Tanto nelore, como guzerat: até os mestiços alcançavam preços surpreendentes, pois o melhoramento genético estava à vista!
Lembro o velho Bijou, já nos seus últimos tempos, solto a andar por onde bem lhe aprouvesse. Ali pela esplanada da Usina, respeitadíssimo por todo o pessoal, tinha os seus grandes dias, aos sábados – dias de feira: comia jacas, espalhava montes de mangas, experimentava espigas de milho verde. Bijou tinha liberdade total; os vendedores de frutas das feiras de Serra Grande nada perdiam… Era só chegarem até o escritório de campo da Usina, procuravam o major Waldemar, formulavam suas queixas, e de imediato recebiam o pagamento dos estragos feitos pelo velho touro…
No dia em que Bijou morreu, lá um tanto distante, no sítio Bom Jesus, estava Antônio Felinto com uma numerosa turma de pedreiros e ajudantes, empenhados na reforma da casa-grande, por autorização do Dr. Salvador; é quando chega, muito excitado, um caboclo a anunciar que o velho Bijou tinha morrido.
Não tiveram dúvida: juntaram o dinheiro que foi possível, correram a Lage, todo o mundo jogou em touro. E, a duas da tarde, hora certa quando o telégrafo confirmava o bicho do dia… “Deu” touro, mesmo.
Houve uma correria geral à “banca”, quando o dono da mesma, sob a alegação de que “o rádio da Usina tinha dado o bicho antes da hora de sempre…” decidiu que não pagaria nada a ninguém.
Ameaçado de ser entregue à política, o “bicheiro” argumentou que também não tinha aquele dinheiro todo – pelo que, conforme conta Antônio Felinto, agora, por carta a nós – uns trinta anos depois! – os prejudicados, procuraram o Delegado; aí deu sorte para o bicheiro, pois, àquela hora, toda a polícia estava ausente da Lage, numa diligência em Valparaíso: quando os apostadores voltaram à cidade, a casa estava fechada, e o concessionário do jogo-do-bicho havia desaparecido!
A compra dos animais acima mencionados foi realizada em julho de 1916, chegando ao Recife pelo navio Itatiba no dia 03 de setembro do mesmo ano, tendo Bijou morrido no ano de 1930.
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